quinta-feira, outubro 09, 2003

A ULTIMA QUINTA DE BENFICA
Benfica era, nos fins da monarquia, um local aprazível, onde a nobreza e a alta burguesia construiam quintas, palácios e jardins. Hoje, pouco resta dessa realidade : as quintas deram lugar a milhares de prédios em betão e a catedrais pagãs, como o estádio do Benfica e o Centro Comercial Colombo.
O ribeiro que outrora passava perto da Igreja de Benfica e ia desaguar ao Tejo,em Alcântara, foi substitudo por fitas de asfalto ( de resto sempre esburacadas ) e por um caudal permanente de automóveis e autocarros, cheios de gente apressada e distraida.
Hoje, porém, ao regressar do Colombo a minha casa, a pé, olhei à minha volta e sorri, deliciado : em frente do Colombo, entre a Av. Lusíada e a Estrada de Benfica, estende-se, orgulhosamente resistente, uma quinta, numa pequena colina, rodeada de terreno de cultivo a toda a volta ... Árvores e casario completam aquilo que é de esperar de uma quinta que se preza.
Já tenho visto mais vezes esta quinta, mas hoje vi-a com outros olhos. Fez-me nascer um sorriso grande e feliz no meu peito. E pensei – romantismo? – na eventual resistência dos donos da quinta ao apelo dos milhões, no seu amor pela terra, pelas árvores e pelas garças que voam de longe para procurar alimento naquele lugar. ( É verdade, as garças brancas estão lá muita vez, mesmo á frente do Colombo ! ).
Na orla desse terreno, numa faixa de terra entre o asfalto e os limites da quinta, nasceram daquelas pequenas hortas que aparecem em Lisboa vindas do nada, filhas de gente apegada às suas origens. Cada hortinha tem um poço, a água abunda, algumas têm mesmo um engenho primitivo para tirar a água do poço, uma picota como lhes chamávamos no Ribatejo. Uma velha banheira faz de tanque de reserva de água. Completam o equipamento das hortas uma barraca, mais ou menos rudimentar, feita de restos de caixotes e de chapas “Lusalite” e o guarda da propriedade, um cãozito rafeiro.
Vindos não se sabe de onde, por ali vagueiam também vários gatos, de cores e tamanhos variados, dando um toque de requinte e elegância felina ao local. Muitas vezes páro a olhá-los e a respirar os cheiros das couves, do estrume, da terra.
Nada está ainda perdido, em Benfica. Mesmo ao pé dos dois monstros do urbanismo desumanizado que são o Colombo e o Estádio do Benfica ainda é possível ver este bocadinho do passado e de uma vida onde o ser humano estava em paz com a natureza.
Fico feliz por esta quinta e estas hortinhas ainda resistirem !

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