segunda-feira, junho 27, 2011

QUARENTA ANOS
A minha única filha faz hoje 40 anos. Ela lamenta-se, acha que está a ficar velha, mas para mim tudo isto aconteceu ontem, há muito pouco tempo.
No ano em que ela nasceu, em 1971, tinha ela apenas seis meses e eu 28 anos, fui mobilizado para uma comissão de serviço militar em Moçambique. Para os mais novos que me lerem ( haverá algum ? ), este facto pouco ou nada representa, mas muitos homens da minha geração e de algumas gerações anteriores sabem muito bem o que significava isto. A angústia da partida, a consciência de que ia estar longe muito tempo e uma vaga noção dos riscos e perigos que ia correr tiravam-me o sono e a vontade de comer. Lembro-me como se fosse hoje do meu embarque no Figo Maduro, num dos dois Boeing 707 que a Força Aérea acabara de adquirir para o transporte de tropas de e para o Ultramar, como então se dizia. Era noite e eu tinha optado por ir sózinho para o embarque. Pouca coisa levava, nem sequer sabia muito bem o que me iria fazer mais falta. O estômago doia-me e sentia o suor a pingar enquanto esperava o embarque. Como iria ser a minha vida ? A minha mulher e a Sofia, recém nascida, iriam ficar bem ?
Descansem, não vos vou contar histórias de África. Estive por lá dois anos, sem vir a Portugal continental. Ia sabendo da minha filha por cartas e fotografias. Sabia que ela estava a crescer sem conhecer o pai e dava por mim a pensar quão mau isso seria para ela, mais tarde.
Regressei, felizmente, são e salvo, no final de 1973, para logo a seguir me meter noutra "alhada", a conspiração e a concretização do 25 de Abril. A partir de então, o tempo entrou numa espécie de voragem vertiginosa, como se nada o detivesse. Os anos foram desfilando, rápidos e a minha vida passou sempre a correr na frente dos meus olhos. Como um filme a que se assiste. Umas vezes a acção era mais rápida, outras vezes mais lenta. Soube o que era a felicidade, em breves momentos, mas também soube o que era perder pessoas amadas, numa sucessão impressionante, como para me castigar de algo que eu tenha feito de errado. Pais, sogros, mulher, todos foram, demasiado rapidamente, sem me dar tempo a pensar e a recuperar.
E é aqui que volto à minha filha. Ela, a pequenota que nasceu no ano em que toda esta voragem começou, acabou por ser o meu esteio neste resto de vida, a esperança que já morreu em praticamente todas as outras coisas. Afinal, foi esse ser pequenino que nasceu há precisamente 40 anos que me tem dado estímulo e coragem para continuar a viver. Quero deixar-lhe aqui, hoje, essa minha homenagem e gratidão.
Mas também quero dizer-lhe que tudo isto começou ontem, não foi assim há tanto tempo.
Sofia, coração ao alto, também eu faço hoje 40 anos. Faço 40 anos depois de te ter visto nascer. Os outros 28 que eu já tinha que se lixem, não contam para esta história ! Parabéns, filhota, estes quarenta anos de amor, ternura e companheirismo já ninguém nos vem tirar e tu ainda vais ter muitos, mas muitos mais para construires o resto da tua vida. Não percas tempo, começa já hoje !

quarta-feira, junho 15, 2011

A FUNDAÇÃO JOSÉ SARAMAGO

Confesso : nunca morri de amores por Saramago. Li muitos dos seus livros, gostei da vários, de outros não, mas de quem nunca gostei foi dele, como pessoa.
Sempre o achei de uma vaidade e arrogância intoleráveis, sempre pensei que seria alguém muito autoritário e convencido, lembro bem o que se passou no Diário de Notícias, quando Saramago foi director.
Acho que Saramago nunca se libertou daquela capa de autodidacta que é veladamente cáustico para todos os outros que adquiriram uma formação académica de raíz. Muito autoconfiante, opinava sobre isto e aquilo com a segurança da infalibilidade, como se ser escritor lhe desse especial qualificação para ter essas opiniões.
Em síntese, sempre considerei Saramago um escritor razoável que se julga Deus e que desenvolve um snobismo muito particular e peculiar. Muito como António Lobo Antunes, que o odiava solenemente mas que com ele partilha de algumas dessas maleitas de feitio.
Na minha opinião, claro.
Hoje li uma notícia onde a sua viúva se vangloria ( ou lamenta ? ) da ausência de qualquer investimento público na fundação José Saramago, em fase de aguardar a conclusão das obras na Casa dos Bicos, em Lisboa, onde ficará a sede. Nem um tostão do Estado, proclama a orgulhosa ( ou lamuriosa ? ) senhora.
Vejo nesta senhora a mesma vaidade e orgulho desmedido de Saramago. E falta de cuidado, também. Nem um tostão ? Então a Casa dos Bicos era propriedade dela ou de Saramago ? Um dos edifícios históricos de Lisboa mais emblemáticos cedido para sede da fundação José Saramago não conta como "verbas do Estado" ?
Ah, céus, sempre esse orgulho desmedido ...

sábado, junho 11, 2011

AS IRONIAS ALEMÃS

No caso da famosa bactéria cujo nome não estou para fixar, responsável pela morte de mais de 30 pessoas, na Alemanha, há alguns motivos de reflexão, análise e amarga ironia.
A primeira reflexão remete-nos para o preconceito alemão contra os povos do sul : a origem da contaminação tinha que vir dos coitados dos pepinos espanhóis ! Pois claro, está visto.
A segunda reflexão é de que a tão propagandeada eficácia e eficiência alemãs, afinal não se devem aplicar à investigação de fontes de contaminação em saúde pública. Estão a demorar séculos para encontrar a fonte, exactamente como se a pesquisa estivesse a ser feita em Portugal !
Por último, a ironia final : os vegetais fonte da contaminação parece que pertencem a uma quinta agrícola alemã, de agricultura BIOLÓGICA.
Brilhante. Agricultura biológica numa quinta alemã e dá estes bonitos resultados ! Será que a partir de agora os alemães aprendem a ter um pouco mais de respeito pelos outros e começam a pensar que não são assim tão bons como pensam ?
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quarta-feira, junho 08, 2011

E DEPOIS DO ADEUS ...

Como muitas outras vezes, quando as coisas finalmente acontecem como queríamos, fica-nos uma sensação de vazio na boca. Sócrates partiu e agora ficamos apenas com a realidade, sem o grande inventor de sonhos. Ainda por cima, para Sócrates se ir embora, temos agora que aturar a direita.
Bom, também não se pode querer chuva no nabal e sol na eira, não é ? Sobretudo se o nabal e a eira forem pertinho um do outro.
Portanto, agora temos o FMI e a Europa a dizerem-nos o que fazer, e temos Passos Coelho e Portas para testamenteiros. Como será que vão fazer para cumprir as exigências não sei, parecem-me demasiadas mudanças em tão pouco tempo. Acho mesmo que ninguém faz a mínima ideia do que irá acontecer.
Sabem, leitores, a economia não é uma ciência nada exacta. Mesmo nada. E quando é manejada por aprendizes de feiticeiro muito liberais e armados em sabichões, vindos do estrangeiro, ainda menos. Muitas das medidas preconizadas pela "troika" entram nessa categoria, como o alegado contributo para a competitividade trazido pela redução da Taxa Social Única. Ou muito me engano ou o resultado irá apenas ser um aumento da margem de lucro das empresas, até pequeno em alguns casos, sem qualquer aumento de produtividade e com um prejuízo brutal para a Segurança Social. Ou, em alternativa, mais um aumentozinho de impostos para compensar a mesma Segurança Social.
O mais certo é nem procurarem a compensação, vão ver.
Enfim ...
Em próximo escrito, prometo que vou procurar, de uma forma simples, mostrar que por detrás da preocupação da "troika" em recuperar o dinheiro emprestado, com juros, o momento foi aproveitado para nos impingir uma data de medidas que mais não fazem que retirar dinheiro e bens ao sector público para o entregar na mão de privados. Com o malabarismo de nos fazer crer que aí é que esse dinheiro e esses bens estão bem, não só para quem fica com eles ... mas para nós outros, também !
Amigos, receio bem que a breve prazo muitos de vós vão pensar que Sócrates, afinal, não era assim tão mau ... Por mim, irei ter sempre bem presente a responsabilidade desse senhor, ao fragilizar o PS, na chegada do liberalismo de direita.
Por agora, vamos todos aguardar, atentos, os novos episódios.
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sexta-feira, junho 03, 2011


RED ROSES FOR A (BLUE) FOOLISH LADY

Só nos faltava esta. Divinal. Agora até uma companhia de transporte aéreo "low-cost", a Ryanair, dá lições de economia e de defesa dos seus próprios interesses a um sindicato português, o do pessoal navegante de cabine. Gozo cruel, é certo, mas totalmente justificado. Saiba o leitor que nisto de sindicatos, sejam de trabalhadores ou de patrões, nenhum escapa à fatalidade do homem português : tão depressa é arguto e brilhante como logo a seguir dá mostras de uma imensa estupidez.
É o caso.
De resto, daqueles sindicatos ( incluindo o dos pilotos ) tudo há a esperar, sem que nada me cause admiração. É gente que ganha demais ( muito demais ) para o trabalho que produz e com um substrato cultural e ético que, em termos médios, deixa bastante para desejar. Mistura explosiva, geradora de impulsos egoístas de enorme violência e de um autismo incrível. Possivelmente, a pressão atmosférica reduzida da cabine de vôo em que trabalham, durante horas, somada aos mais de 10 Kms de altitude, fá-los sentir-se mais altos e importantes, muito mais altos que todos os outros portugueses que são obrigados a aturar o pântano em que o país se transformou. Na história do sindicalismo português são sindicatos que bem mereciam um qualquer Nobel do Oportunismo e Venha a Nós ismo. Palmas portanto. Ou rosas, como as da Ryanair.
Leitores, só afirmo o seguinte, tomando bem o peso às palavras : comparado com muitos senhores e senhoras deste pessoal, Sócrates parece um anjinho inocente e culto, mal pago e incompreendido.

quarta-feira, junho 01, 2011

CADA CAVADELA CADA MINHOCA

Tinha prometido a mim mesmo não voltar ao tema, mas não consigo. O tema é Sócrates e o enigma da sua personalidade. Cada nova cavadela no terreno da realidade, nova minhoca aparece. Quem diz minhoca diz inverdade, ocultação, mistificação. A última minhoca são as diferentes versões do memorando de entendimento com a Europa e o FMI, com prazos mais apertados e um ênfase grande na "grande redução da Taxa Social Única", quando ainda há poucos dias ouvi Sócrates ( no debate com Passos Coelho ? ) afirmar que o que estava no Memo era a obrigatoriedade de estudar a questão ...
Enfim, acho que já pouca gente hoje duvida disto : por detrás de um homem com boa aparência, bem vestido, bem falante, etc ... está um ser humano com um carácter retorcido e tortuoso, extremamente teimoso e ambicioso, incapaz de gerar o mínimo consenso político, sem uma demarcação clara entre a ética e o interesse pessoal. Pessoa que não desperta em quem o conheça a mínima confiança.
Como foi possível este senhor ser Primeiro-Ministro de Portugal durante 6 anos ?
Confesso que não sei responder. Talvez os socialistas saibam, mais aqueles que votaram nele duas vezes seguidas.
Este mistério há-de me perseguir sempre, a vulnerabilidade extrema de pessoas e instituições perante um vendedor de ilusões deste calibre. Nessas pessoas e instituições não hesito em incluir a Procuradoria Geral da República e o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça.
Como foi possível ???
É agora muito nítido : para as pessoas começarem a vislumbrar a verdade para além da varinha mágica da ilusão, tinha mesmo que acontecer o cataclismo que aconteceu. Tínhamos mesmo que ir à quase bancarrota para as gentes acordarem ... e, mesmo assim, só porque o ministro das finanças ganhou vergonha ou medo e não aguentou mais a ilusão, proclamando que Portugal iria recorrer à ajuda externa.
Lembram-se ? Lembram-se também o que Sócrates fez ao ministro, retirando-o sem apelo nem agravo das listas do PS ??
Meu Deus, torno a dizer : como é possível tudo isto ter acontecido ?