sábado, julho 31, 2010

O MEU PORTO DE ABRIGO PESSOAL
O TIRAGOSTOS é uma pequena loja de pronto-a-comer, datada de meados dos anos 80, propriedade de uma pessoa minha amiga. Fica quase á frente da porta do prédio onde vivo, em Lisboa (Benfica), é só atravessar a rua. É uma sala decorada com sobriedade e bom gosto, azulejos brancos, atravessados por lintelos amarelos, móveis de madeira castanha, com portas de ripas entrecruzadas. No alto dos armários, galinhas de cerâmica e dois ou três panelões em latão brilhante. Nas paredes, três ou quatro aguarelas de patos selvagens, com uns verdes e azuis muito suaves. Não há outra loja assim, acreditem.
Conheço esta pequena loja desde que foi inaugurada, em 1985 ou 1986. A minha mulher costumava lá ir frequentemente, beber café e ou comer uma das excelentes empadas caseiras de galinha. Depois, quando ela partiu, habituei-me também a ir lá todos os dias, com a minha filha. Pequeno-almoço, almoço, apenas conversa, esta pequena loja tornou-se a minha referência diária, ao longo dos últimos anos. A simpatia e o sorriso da sua dona acolheram-me e ajudaram-me, nesse momento da minha vida, confesso. Tornámo-nos amigos, convivemos para além das quatro paredes da loja, mas a loja, aquela loja, continuou sempre a ser o meu porto de abrigo diário.
Aqui há uns anos, quando a dona decidiu fazer obras de renovação da loja, empenhei-me no processo, orientei tecnicamente os trabalhos, fiz mesmo muitas coisas com as minhas mãos, gastei largas dezenas de horas dentro daquelas paredes, sózinho, discutindo com o fogão e a fritadeira a incompetência do pintor, arregaçando as mangas e fazendo eu próprio o que o homem deveria ter feito.
Enfim, algo de mim ficou naquelas paredes e naquele pavimento.
Quanto à senhora sua dona, aquela loja foi a sua companheira fiel de muitos anos, todos os dias, com sol e com chuva, com clientes ou sem eles, em momentos de euforia e muitos outros de desânimo. Aquela pequena loja apossou-se de grande parte da alma da sua dona, acho eu. Da minha também, o que é estranho, porventura.

A verdade é que a loja mudou hoje de dono. A sua ( verdadeira ) dona alugou a exploração da loja a um casal, eram precisos sangue e entusiasmos novos.
Para ela, a sua dona de sempre, foi o fim de uma relação de 25 anos, sem quebras de fidelidade. Vai ser difícil para ela, senti-o hoje, ao ver o ar infeliz e desnorteado dessa minha amiga. É sempre doloroso terminar uma relação, afinal.
Quanto a mim, foi o fim de um era, mais do que de um ciclo. Não só pela minha amizade com a dona, mas também pela relação que eu próprio desenvolvi com a loja.
É o fim do meu porto de abrigo diário, do meu café matinal e da minha primeira conversa do dia, acolhido pelo sorriso amigável da minha amiga.
Pode ser que continue a entrar naquela loja, para um café ou mesmo um almoço, mas nada será o mesmo. Uma parte da minha vida desapareceu, com aquela mudança na loja. Sei que uma enorme parte da vida da sua dona também fica para trás, para sempre embebida naquelas paredes e naqueles bancos amarelos.
The show must go on, porém. Muita sorte aos novos "donos", muita sorte à minha amiga. Por mim, acho que não vou conseguir substituir o meu porto de abrigo diário, os anos não perdoam.

sexta-feira, julho 30, 2010

CALOR, CALOR ...

Estive uns dias sem escrever, a descansar os dedos e, pensava eu, também os neurónios. Nada disso. O que a baixa política e a trampolinice deste pobre país não conseguiram, conseguiu o calor insuportável deste tempo desgovernado em que vivemos : quase gripei os tais neurónios. 42º C á sombra, companheiros e companheiras. Uma enormidade. Fui passar uns dias ao Entroncamento, tinha lá umas coisas a arranjar em casa, mas não aguentei, confesso : no final do segundo dia desertei cobardemente para Lisboa e o ar condicionado, com medo de derreter literalmente o conteudo craniano ! Bolas, até via miragens, na autoestrada, enquanto acelerava para a salvação.
Tenho que lá voltar, quando a calor baixar um pouco. Veremos.
Entretanto, a vida pública à portuguesa continuou, com as idiotices e sem-vergonhices do costume. O hábito. Termina a fase de investigação do processo Freeport, na prática não viram nada, não descobriram nada, mas também nem sequer perguntaram a quem podia saber alguma coisa. Entraram uns milhões e saíram, mas não sabem para que contas, ou que bolsos foram ... Em suma, tudo se passou como se fosse eu a tentar saber o que aconteceu e não a PJ mais o MP.
É o costume.
Paulatinamente, o senhor Procurador-Geral da República continua a ocultar-nos e a destruir factos, ou porque estão em segredo disto ou daquilo ou porque qualquer outra coisa. Até pode ser que não, mas o que parece é que há de facto uma eficaz cortina de fumo que nos impede de ver o que devia ser público e visível.
Somos assim. Tristemente cinzentos e dissimulados.
Havemos de morrer sem mácula nem desonra, mas tristemente ignorantes, enganados e miseráveis.

sexta-feira, julho 16, 2010

O PAÍS DE ONDE A DECÊNCIA E A VERGONHA DESERTARAM

Dantes, há muitos anos atrás, havia vergonha na sociedade portuguesa. Muitos tipos de vergonha, salientemos : vergonha de ainda termos uma ditadura, em plena Europa, vergonha de termos uma guerra colonial, quando essa época já tinha passado em todo o Mundo. Vergonha também de se ostentar riqueza e de ganhar desmesuradamente, numa sociedade rural e extremamente pobre. Havia uma espécie de sentimento generalizado das conveniências e da proporcionalidade económica. Um gestor de topo de uma grande empresa, por exemplo, limitava-se a ganhar 500 quando o trabalhador ganhava 50.
Até os sonhos dourados eram contidos, nessa época, talvez pela restricção do exemplo de Salazar, ele próprio um homem sóbrio em gostos e poupado nos gastos.
Dir-se-à que Portugal estava parado no tempo.
Bom, tudo isso já lá vai. Feliz e infelizmente, tenhamos a coragem de o proclamar. Nem tudo melhorou, nem tudo foram cravos, as flores de Abril. À socapa, também nos chegaram muitas flores de cardo e azedas.
Assisti espantado e incrédulo à enorme vaga de egocentrismo, de falta de escrúpulos, de cupidez, de sem-vergonhice que caracterizou muita gente da classe média portuguesa, nestes anos pós Abril.
Era vê-los a rastejar, a implorar, a mendigar, a traficar, um lugarzinho bem remunerado para si e para os seus. Foi vê-los, despudoradamente, sem réstea de vergonha, a aumentarem-se a si próprios, a modificar os estatutos jurídicos das empresas para poderem auferirem salários principescos. Medíocres profissionalmente, a maior parte dessa gente, não qualificados para os lugares, era vê-los a saltitar de empresa pública em empresa pública, hoje nos transportes, amanhã nos cimentos, depois de amanhã na comunicação social, que interessa o sector, é tudo a fingir, é tudo para sacar umas massas !
A imensa mole dos chamados gestores públicos nacionais tem muito pouco de gestor e nada de nacionais. Recebem salários internacionais pela sua incompetência absurda e criminosa. São um grupo de pessoas a quem o País nada deve, muito pelo contrário.
E àqueles de vós que pensarem que estou a exagerar, eu lanço um repto : indiquem-me um nome, apenas um, desses pseudo gestores que tenha feito um bom lugar numa dessas empresas. Um que seja, para amostra. Pois é, não há.
Lembro-me bem do caso da TAP, quando o poder político desesperou e começou a perceber que a empresa se arriscava à falência imediata, com a incompetência do senhor Cardoso e Cunha, que de exploração de aviões sabia que eles tinham rodas ... Aí ( curioso, foi Santana Lopes ), foram obrigados a mandar o amador para a rua e a entregar a empresa a um ... brasileiro. Meu Deus.
Bom, adiante. Mas onde fui eu hoje buscar o "alimento" para esta diatribe ? A esta notícia : o seleccionador nacional de futebol vai receber um prémio de desempenho de 720.000 euros. Setecentos e vinte mil euros, quase 150.000 contos, pelo magnífico comportamento da nossa equipa nacional de futebol. Dois empates, uma vitória, uma derrota iguais a 720.000 euros !!
Estão agora a perceber porque fui buscar o passado ?
É que uma coisa destas, só é possível de acontecer porque esta malta, colectivamente, perdeu a cabeça, a noção dos valores ... e a vergonha.
Escuso-me de acrescentar aqueles indicadores todos da miséria nacional. Envergonho-me de falar no desemprego e na fome em muitos lares. Não quero ser demagógico, sei que quem me lê tem sensibilidade e conhecimento do estado do País.
Por isso, pergunto-vos : não vivemos tempos estranhos e sem vergonha ?

quarta-feira, julho 14, 2010

AH GANDA PAÍS !

Hoje li algures esta notícia : "Uma acção de fiscalização da Autoridade Marítima do Sul culminou na apreensão e destruição de cerca de 500 bolas de Berlim, tendo ainda autuado 20 vendedores ambulantes ilegais nas praias de Albufeira, Silves e Portimão." Li a notícia e exultei, claro ! Que ganda país o nosso, amigos ! No meio destas preocupações todas com o défice e os rating, no meio da agonia tremenda da saída ou não do euro, não é que as nossas autoridades não desanimam e continuam a pugnar pelos nossos interesses, galhardamente ? Ah, malta, o que seria de nós se esses vigaristas de praia nos vendessem aquelas bolas de berlim todas ? Cem, duzentos portugueses iriam para as urgências de Portimão, não ? Ah ganda Polícia Marítima, pá ! É assim mesmo ! Então esses reles vendedores de praia pensavam que tinham a mesma impunidade dos barcos espanhóis quando vêem a Monte Gordo arrastar o nosso lingueirão e a nossa conquilha impunemente ? Nããããão, pá, uma coisa é roubarem-nos os bivalves, outra coisa é andarem pr´aí a impingir óculos e bolas de berlim cheias de creme aos veraneantes !
Porra, pá, estava a ver que nunca mais via uma acção destas assim, à James Bond, nas nossas praias. Por aqui, em Cascais, o mais que se vê é uma malta de cor a dar uns tiritos e a sacar umas carteiras, pá ! Nada de tão excitante e retemperador como esta acção dignificante da autoridade marítima no Algarve.
Parabéns, pá !
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segunda-feira, julho 12, 2010

SOBRE AS COISAS DA CULTURA ...

Confesso humildemente : não percebo nada daquilo a que se convencionou chamar o mundo cultural em Portugal. Tenho sérias dificuldades mesmo ao nível do léxico que é usado por essa gente. Aquilo que eu pensava ser a cultura, em sentido lato, é algo completamente diferente para os "entendidos", afinal.
Leio coisas como esta, a propósito da demissão de um senhor que desempenhava funções de "director-geral das artes" e da nomeação do seu substituto :
"De acordo com o Ministério da Cultura, João Aidos tem uma "vasta experiência e reputação no meio cultural português, ligado a inúmeros projetos no âmbito da Rede Nacional de Teatros e Cine-Teatros, gestor, programador, produtor e engenheiro projetista com profunda ligação à rede e tecidos culturais em todo o território nacional.
Licenciado em teatro, João Aidos desempenhava até hoje funções de diretor artístico do Teatro Virgínia, em Torres Novas."

Pasmo. Fico mesmo aturdido com a experiência deste senhor. Para já, ser director artístico do Teatro Virgínia, em Torres Novas ( que eu conheço e é uma coisa bem-intencionadinha de província ) não me parecia ser grande recomendação. Engano meu, o senhor é licenciado em Teatro ( o que raio é, aqui para nós, ser licenciado em teatro ? ) e, além de outros predicados, é "engenheiro projetista com profunda ligação à rede e tecidos culturais ...".
Boa. Afinal ser licenciado em Teatro implica engenharia de projecto. Ou melhor, de projeto. Porreiro, pá. Neste ponto, até a licenciatura do nosso Primeiro-Ministro me parece bem, devo dizer.
Adiante. Tentei ir mais longe e fiz uma pesquisa exaustiva do que é a tal CULTURA de que fala esta gente. Pasmem, óh gentes ignorantes e longes de Deus e da Cultura : temos uma Ministra da Cultura e uma data de directores-gerais para estudarem, regulamentarem e atribuirem SUBSÍDIOS estatais a diversos grupos de teatro, cinema e músicos nacionais, que sem eles ( os subsídios ) acabariam por perecer, acabando-se a cultura.
Se bem entendo, pois, a Cultura, para esta estrutura burocrática, é apenas uma mancha de necessitados a precisar de uns cobres para produzirem ... cultura. Cultura igual a subsídio, portanto.
Depois de saber isto, fico mais satisfeito, claro. Já percebo para que precisamos nós de uma Ministra da Cultura, caramba !
Olhem, sabem que mais, agora sem gozo ? Tudo isto é de uma imensa mediocridade, faz pena, dá vontade de rir e de chorar ao mesmo tempo, sei lá ...

sábado, julho 03, 2010

A QUESTÃO DA PT E DA TELEFÓNICA

As reacções indignadas de muita gente ao uso, pelo Estado Português, do direito de veto na aquisição da parte que a PT possui na brasileira Vivo pela espanhola Telefónica é ... inacreditavelmente hipócrita.
Porquê ? Porque toda a gente sabe que a maior parte dos Estados Europeus se têm oposto à aquisição das suas maiores empresas por empresas estrangeiras e aí toda a gente se calou e se calhar até achou bem. Num excelente artigo de Nicolau Santos publicado hoje no Expresso é claramente desmontada essa hipocrisia. Por exemplo, idêntica investida da mesma Telefónica à sua congénere italiana foi também travada por Berlusconi. Ainda pior, o governo espanhol tem-se oposto a várias compras dessas !
Portanto, o comportamento do governo português só pode indignar hipócritas de má memória ou aqueles que acham que Portugal se deve sujeitar a tudo o que qualquer país lhe queira impor. Ou os que acham que o mercado merece uma veneração divina.
Pela primeira vez em muito tempo, mesmo em MUITO TEMPO, o meu aplauso para uma decisão de José Sócrates. Que seja dito o que é justo, o senhor não teve medo.
Do lado oposto, a actuação do líder do BES, o senhor Ricardo Espírito Santo, foi absolutamente ... ignóbil. O senhor, que vinha proclamando aos sete ventos ser um fiel defensor da estratégia da administração da PT, virou completamente a casaca, na noite anterior à assembleia geral, a troco de uns míseros milhões de euros com que os espanhóis acenaram. Nada de admirar nestes senhores, só os admira e tem respeito quem for parvo ou ignorante ou deles precisar. Não é o meu caso, e a piada é que, ao longo dos anos, sempre que olhava a cara desse senhor, na TV, eu me lembrava de um velho princípio da sobrevivência e pensava : "aqui está um homem a quem eu nunca ia virar as costas, em caso de conflito".
A PT fez mal, distraiu-se e virou-lhe as costas, para falar com alguém que estava por detrás. Foi o suficiente, o senhor votou ao lado dos espanhóis. Ele e a Ongoing, uma "coisa" que ninguém ainda entendeu muito bem o que seja. Produz o quê ? Acções ?
Bem, resumindo e desanuviando : perder no futebol é uma coisa, deixar-se "comer" em casa pela Telefónica seria outra. Não seriam nunca os espanhóis, depois, a garantir os postos de trabalho que a PT hoje representa, para portugueses, em Portugal e Brasil.
Por uma vez, aplaudo.
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