sábado, outubro 11, 2003

A JUSTIÇA A FUNCIONAR OU A ARTE DE TOLERAR O INTOLERÁVEL
Dou por mim a pensar, de vez em quando, que os portugueses são pessoas muito esquisitas, dotadas de uma incrível capacidade de alterar a realidade ou de, pelo menos, fingir que estão a ver outra coisa qualquer mas não aquela que está á frente dos seus olhos.
Algumas vezes por interesses partidários, outras por vantagens materiais, algumas mesmo por vício entretanto adquirido ou por comodismo genético, a verdade é que somos especialistas em “baralhar e dar de novo” sem nada alterar substancialmente. Interessante característica esta, a que poderíamos chamar de não-realismo ou de não-objectividade ou ainda de finge-que-faz-mas-não-faz.
Vejam agora este caso do deputado Paulo Pedroso : o Tribunal da Relação de Lisboa vem afirmar, no seu acordão, que os indícios existentes são fraquitos e que não chegam decididamente para manter o senhor em prisão preventiva. Daquilo que ficámos a saber, pela divulgação desse acordão, os indícios limitam-se a uma série de “bocas” de “putos” sem qualquer credibilidade, sobre os quais não sabemos que pressões foram exercidas nem quantas inquinações foram permitidas.
Bom, o Paulo Pedroso é mandado sair em liberdade, vai à Assembleia, os jornalistas fazem um chinfrim tremendo, a Comissão de Ética da Assembleia autoriza-o a regressar àquela casa e agora ?
Agora anda tudo doido : o Procurador-Geral da República ( PGR ) fica danadíssimo com a libertação do preso, desata a dizer coisas mais ou menos incorrectas, vários políticos e até juízes acham que ele devia era estar calado, os partidos do Governo e o PGR acham que se está a partidarizar a justiça ( ?? ) e que a ida de Paulo Pedroso à Assembleia desprestigiou aquela Instituição, o Presidente da Republica, como é hábito, atira hoje umas farpas certeiras para amanhã aconselhar calma e ponderação a todos, os menos inflamados proclamam que estão muito satisfeitos porque isto é “a Justiça a funcionar” e seguem caminho, impávidos e serenos ... enfim, a novela do costume.
É aqui que eu fico atónito : mas que raio de discussões laterais são estas ? A quem interessam ? Porque não se discute e resolve o âmago da questão ?
Vamos mas é ver se há forma de evitar “espertezas” destas no futuro.
Vamos alterar rapidamente o que for de alterar, sem medo nem falsos argumentos do tipo “ah, não se deve mexer nas coisas a quente ...”.
Vamos deduzir as acusações dos arguidos rapidamente e levá-los a julgamento.
Então isto é a “Justiça a funcionar” ? Reunem-se meia dúzia de bocas sobre um cidadão, mete-se o tipo na prisão, evita-se com truques que a Relação se pronuncie, o tempo passa, o cidadão está lá dentro 4 meses e tal e no fim ... isto é a Justiça a funcionar ????
Se é, o mínimo que posso dizer é que funciona muito lentamente ... e muito mal.
Que tipo de confiança poderei eu, simples cidadão, continuar a ter na justiça ? Se alguém se lembrar de dizer que me viu não sei onde, a fazer não sei o quê, posso ir parar á prisão por uns mesitos ? E esperar que a justiça funcione ??
É assim ? Eu não aceito que tenha que ser assim e que se deva aceitar uma coisa destas com um filosófico encolher de ombros.
Exijo juízes qualificados, sensatos e independentes, seja qual for a instância, seja qual for o seu papel. Exijo procedimentos controlados e não escutas telefónicas a torto e a direito. Exijo rigor e seriedade na obtenção da prova e na sua validação e valoração.Exijo que os juízes não se pensem anjos vingadores e justiceiros, impregnados de um espirito divino de certezas.Perante estas coisas, que me interessa a mim se o PS ou o PSD disseram isto ou aquilo ou se o PGR disse não sei o quê ?
Vamos ao que interessa, meus senhores.

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