domingo, novembro 23, 2003

A SEGUNDA DERIVADA E OS CENTROS COMERCIAIS AOS DOMINGOS
Aos domingos, os centros comerciais da grande cidade enchem-se de pessoas de todas as idades e feitios. Talvez mais pessoas de idade. Muitas mulheres com roupas escuras, aos pares, viúvas de maridos e de esperança. Casais de meia idade, com os sogros, mulheres á frente, homens atrás, um ar enfastiado e submisso. Para muita desta gente é o único momento de liberdade durante a semana, a única palavra que não rima com cansaço e monotonia.Talvez vão mais tarde a algum sítio beber um chá ou um café, alguns queques e pastéis de nata, cerveja para os homens. Talvez nem isso, só os olhares para as montras e para os outros que circulam nos corredores apinhados.
Os centros comerciais são horrorosos aos domingos, dizemos nós, mas para estas pessoas são aquilo que existe de mais parecido com a diversão, com a alegria de viver.
Já alguma vez, num esforço sério, tentaram vestir a pele destas mulheres ? Sim, porque a vida delas é sempre cem vezes pior que a deles : o seu reino ainda é apenas a casa, a cozinha, a roupa, uma ocasional conversa com a vizinha do lado.E quando trabalham fora de casa ainda é pior, aí parecem gestores públicos ou professores universitários, a acumular “tachos” e a correr de um lado para o outro. Parecem-se com eles mas não nos vencimentos, claro.
É por essa e outras que as vejo mirar as montras com um ar mortiço, sem chama de interesse no olhar.Até isso já perderam. Gostava de saber o que se passa dentro da cabeça de uma mulher dessas quando vê numa montra uns sapatos de mulher por 250 euros ! Ou uma saia por 350. Também gostava de saber porque motivo ninguém escreve sobre estas pessoas. A verdade é que todos nós já as vimos, a passar nos corredores, com aquele ar de quem é transparente e pede desculpa ao Mundo por isso.
Ah, já me esquecia : o sr. ministro Bagão Félix explicou que a taxa de crescimento do desemprego baixou um pouco. A segunda derivada, diz ele. Isto é, para vocês perceberem, cambada de iletrados e iletradas da econometria básica : o desemprego continua a crescer, mas começou a crescer um pouquinho mais devagar...!
Suponho que estas pessoas que eu vejo aos domingos estão bestialmente satisfeitas com a tal segunda derivada.
Também não admira, caramba. Os sinais de esperança sempre vieram das segundas derivadas ... e das segundas circulares !

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