quarta-feira, novembro 19, 2003

O CHARME DOS AVÔZINHOS
Não sou pessoa de fazer conhecimentos facilmente. Nunca tive muito jeito para quebrar aquela barreira de silêncio e reserva individual, dizendo uma balela qualquer para aquela mulher interessante que está a ler na mesa ao lado. Nem mesmo para comentar o futebol com o vizinho do 3º esquerdo. Aqueles silêncios nos elevadores oprimem-me, mas nunca descubro as palavras certas. Ou melhor, descubro-as só quando já vou a quilómetros do elevador ...
Bem sei, bem sei, é só deixarmos andar, as coisas são mais simples do que parecem. Eu tenho visto outras pessoas, como é fácil para elas entrarem em contacto com estranhos, daí a minutos já todos se riem e se tratam como se se conhecessem há séculos !
Que raiva, para mim não é, nunca foi assim. Com os anos tenho melhorado um pouco, mas há sempre uma espécie de écran invisível, campo de forças ou sei lá o quê, entre mim e os outros. Se me falam, tudo bem, respondo calorosamente e a conversa flui. Mas se os outros são como eu, fica tudo calado e constrangido. Chego a ensaiar abordagens, formas de dar início à conversa, mas tudo me parece terrivelmente foleiro e sem interesse e fico calado, a sentir-me mal.
( é estranho, porque não sou demasiado tímido, tenho alguma auto-confiança e sou capaz de uma conversa normal, sem bloqueios nem gaguejos ... O arranque a frio, porém, é o meu problema ! )
E depois, existem normas obscuras, não escritas, sobre o que se pode e não pode dizer, sobre onde se deve e não deve falar, isto não é fácil. Quando entro num consultório médico, por exemplo : se estão dez pessoas, só uma ou duas responde ao meu receoso bom dia ou boa tarde ... nos consultórios não se deve falar ??
E se nos sentamos ao pé de uma daquelas senhoras terrivelmente bem ? É escusado dizer seja o que for : ela olha-me de alto a baixo, repara nas calças de bombazine a precisar de ferro e naqueles sapatos com uma ou outra mancha de lama seca e remete-se a um silêncio ofendido, enquanto finge ler.
Ultimamente, porém, reparei em algo inesperado e sensacional : as pessoas tratam-me com mais deferência e à-vontade, nas lojas, nos locais públicos, refiro-me sobretudo às senhoras, mesmo novas, dantes esquivas e a fazerem caras de quem não quer conversa . Agora retribuem-me as palavras, normalmente com um sorriso simpático, até me mandam bocas, como um destes dias quando acompanhei a minha filha a uma loja de modas. E a menina era bem gira !
É pá, finalmente consegui, pensei eu, ultrapassei as minhas inibições, agora é que vai ser bom !!!! Senti-me bem, achei-me um homem insinuante, charmoso ... até que finalmente percebi o que se passava !!! Tinha passado a beneficiar da indulgência para com a 3ª idade ! As senhoras e as meninas estavam era a sorrir ao senhor de cabelos brancos e ar de avôzinho .... Passei a não representar perigo nenhum, sou apenas um senhor de idade com um ar distinto, mesmo usando as mesmas calças de bombazine.
Já viram isto, hem ? Bem, resta-me usufruir do estatuto, não é ? Pode ser que andem para aí umas senhoras que gostem de avôzinhos ...

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