sábado, novembro 08, 2003

CRÍTICA DE UMA CERTA CRÍTICA DE CINEMA

Embora o leitor se esteja nas tintas, sempre gostaria que soubesse, por amor à verdade, que a minha formação académica se situa na banda das ciências ditas exactas, com alguns salpicos qb de ciências sociais e de comportamento humano. Antes que digam aahhhhh, logo vi, apresso-me a acrescentar que nunca rejeitei, antes pelo contrário, o encanto e a sensibilidade próprios do mundo artístico. Gosto muito de cinema, música, pintura, escultura e arquitectura, por exemplo. Do que não gosto nada - e é disso que vos queria falar - é daquela escrita barroca, mastigada e intrincada que alguns portugueses cultivam, no domínio do artístico, porventura na convicção de que assim lhes será reconhecida a sua imensa cultura e elevação espiritual. Verdade seja que a tendência se encontra não tanto na produção intelectual, nos autores, mas sobretudo naqueles que vivem da crítica aos mesmos. Crítica de literatura, teatro, cinema. Lê-se ... e fica-se espantadíssimo, umas vezes com a profundidade do pensamento do crítico, outras vezes sem perceber grande coisa do que o crítico escreveu.
Claro que isto não é aplicável a toda a crítica, valham-nos todos os santos dedicados às coisas da arte. Mas este senhor ... bem, falo do sr. João Lopes, crítico de cinema do Diário de Notícias.
A ele a palavra : “Não admira que Matrix Revolutions desemboque num simbolismo religioso ......O desenlace da odisseia de Neo explicita a dimensão crística da sua figura e, mais do que isso, a possibilidade de formulação de uma nova «ideologia» ( ou será uma nova crença ?) capaz de integrar a falibilidade emocional dos seres humanos e a certeza informativa dos circuitos das máquinas.”
Confesso que perdi uns largos segundos até descobrir que raio seria a dimensão crística ...sou um saloio, está visto. Depois exultei com a chegada da tal nova crença ou ideologia, não se sabe ainda, com a simbiose homem/máquina ...
Ou ainda, desta vez referindo-se ao filme Kill Bill, de Quentin Tarantino, com a sempre bela Uma Thurman ( na foto ) : “Essa é mesmo uma proeza formal que pode resumir o arrojo do seu projecto( de Tarantino ). A saber : a criação de um espaço de representação hiper-realista em que a paixão pelo detalhe humano vai a par de uma contagiante vertigem abstracta.”
Ora toma, nem mais, que se poderá objectar a isto ?
Bem, dirá o leitor que estou a ser mauzinho e que o crítico em questão está apenas a usar o seu critério pessoal. Claro, eu sei. Nada de pessoal me move contra o sr. João Lopes, nem sequer o conheço e não me custa a admitir que seja uma excelente pessoa. Estou a falar é do crítico, que escreve coisas para o público, ainda por cima para o esclarecer e influenciar, que é o papel da crítica.
É que este crítico em concreto, na avaliação que faz no DN de hoje, atribui a 8 filmes em exibição um valor médio de 4 estrelas ( muito bom ), sendo que considera 3 deles dignos de 5 estrelas ( excepcionais ) ... Excepcionais, caramba ! Por este andar, não precisamos de crítica de cinema para nada. Os filmes são todos excepcionais ou muito bons e tá a andar ....
Mesmo assim, subsiste ainda a questão da linguagem ... não seria possível um espaço de crítica em que a paixão pelo gongórico fosse a par de uma contagiante vertigem pelo concreto, pelo perceptível ? Humm ??

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