quarta-feira, dezembro 10, 2003

COMPRAR BENS ... E DEPOIS ?
Hoje vou propor-vos um tema conotado com o Natal, mas numa perspectiva diferente. Vão ver que é algo que nos afecta a todos. Trata-se da importância relativa que a aquisição de bens e a sua manutenção assumem, nas sociedades modernas.
A noção de partida é que é conferida muito maior importância ao acto da aquisição do que ao da posterior manutenção do bem adquirido.
A aquisição de bens e produtos, nos ultimos anos, tem vindo a tornar-se cada vez mais fácil, cómoda e atraente. Gastam-se milhões em publicidade, em todos os orgãos de comunicação e no porta a porta, constroem-se edifícios especializados na oferta de variadíssimos tipos de bens, os bancos desenvolveram curiosas engenharias de crédito ao consumo, inventam-se dias disto e daquilo, adulteram-se outros, como o Natal, é um vale-tudo desenfreado. Os próprios objectos adquiridos perderam significado intrínseco, compram-se coisas pelo que podem representar, muitas vezes, não pelo seu valor próprio ou utilidade.
Mas não me interessa agora fazer juízos sobre os valores que esta sociedade está a trazer à superfície. Se é que valores ainda são.
Interessa-me antes realçar que esta lógica, a da compra, utiliza, deita fora, compra de novo, é a unica lógica possível nas sociedades que construímos, nem mais nem menos. Só estão sãs, estas sociedades, quando crescem continuamente. Já viram esta ideia aterradora ? Porque motivo as nossas sociedades estão condenadas a crescer, sempre ? Ou, quando o não fazem – e isso acontece inevitavelmente – surge a crise ?
Bem, não nos percamos. Estávamos a ver que tudo foi facilitado ao máximo para que adquiramos novos bens. Novos, ainda que sejam apenas substitutos de outros que tínhamos. Se examinarmos o esforço que nestas sociedades é dedicado à manutenção destes bens que adquirimos, vamos ficar surpreendidos. Enquanto nos Centros Comerciais compramos facilmente de vestuário a electrodomésticos, não se vêem neles, por norma, lojas dedicadas à manutenção. A manutenção dos bens que adquirimos não é nunca tarefa fácil. Podemos comprar quase tudo ao pé de casa ou no mesmo centro comercial, mas para mandarmos reparar um simples electrodoméstico somos obrigados a ir à periferia da cidade, a uma antiga Quinta qualquer na Estrada não sei de quê que ninguém sabe onde fica.
Enquanto a função venda prolifera, está distribuida por milhões de locais, ainda resiste no pequeno comércio ao pé da porta, a função manutenção quase desapareceu a nível das pequenas lojas de bairro, estando agora nas mãos dos ultimos “jeitosos” que ainda trabalham em regime “liberal”, sem recibo, claro, ou então em algumas empresas “especializadas” na manutenção de tudo ( segundo a sua própria publicidade ), trabalhando 24 horas por dia, e que lhe levam 200 Euros ( sim, 40 contos ! ) por arranjar a campaínha da porta ou a máquina de lavar roupa.
Se pensar bem, é como se o “sistema” lhe recomendasse, quase sempre : não vale a pena reparar nada, torna a comprar novo !
Não acredito que nunca tenha passado por esta experiência.
É claro que vender é sempre muito mais simples que reparar ou fazer manutenção preventiva. Não exige investimentos elevados, nem mão de obra qualificada nem grandes áreas para as instalações. Todos sabemos isso.
Mas não será tempo de, quando compramos, nos começarmos a preocupar com este fenómeno, escolhendo ( pelo menos ! ) as marcas em função da estrutura de pós-venda que oferecerem ? Não será mesmo caso para a Comunidade Europeia começar a tentar disciplinar esta questão, em vez de apenas obrigar á garantia de 2 anos ?
Ou será que, lutando por melhores sistemas de assistência técnica dos produtos que adquirimos, estamos a cavar a ruína da nossa própria sociedade ?

Sem comentários:

Enviar um comentário