segunda-feira, fevereiro 16, 2004


UMA ÉTICA DO DESEJO, PRECISA-SE

Sou homem de muitos anos e de paixões e encantamentos diversos. Casei-me novo, aos 25 anos, mal saí daqueles portões largos ao cimo da Alameda da Fonte Luminosa. O casamento viria a durar quase 30 anos, eu sou daquela geração que encarava o divórcio quase como uma derrota pessoal. Houve coisas de que me arrependo, algumas “infidelidades” que não resisti a confessar à minha companheira de uma vida. Essa geração era também feita destas ideias românticas e idealistas, desta tentativa de compatibilizar o impossível. Já então eu pensava que o desejo devia ter uma ética por suporte ( baseada na verdade, queria eu acreditar ) embora não aceitasse que essa ética fosse a de matar à nascença o próprio direito ao desejo.
Deixem-me agora dar um salto de muitos anos, para os dias de hoje. Sou viúvo há vários anos, tenho tentado muitas soluções para um relacionamento homem-mulher. Tenho visto e experimentado muitas coisas, tenho observado e anotado. Não sou nada do género puritano ou conventual ou tímido ou tontinho ou distraido.
E contudo, estou totalmente confuso, confesso.
Todas as minhas ideias de ética do desejo foram completamente destruídas e ultrapassadas. Mais nos homens, é verdade, mas também em muitas mulheres, noto uma total ausência de ética quanto ao sexo. A única ideia presente é a do desejo puro e duro. Por vezes, ao ponto de nem sequer interessar para nada a personalidade do parceiro de cama. Vivemos uma era do prazer como forma de vida e sua justificação final, para muita gente.
Claro que, sendo assim, como podem subsistir condições para uma vida a dois com um mínimo de durabilidade e de verdade ? Como pode subsistir, nos tempos modernos, o paradigma da monogamia ( ou da monoandria ) ? Com que finalidade ? A criação dos filhos surge, assim, como a única motivação para um agregado a dois, funcionando como célula de defesa e educação dos filhos. Mas como defender os méritos desta solução, se ela não é verdadeira, na maior parte dos casos ? Se o núcleo familiar não funciona mesmo, dada a incompatibilidade de tempo ( e paciência ) dos pais ?
Então, se nem essa justificação é totalmente pacífica, para que se hão-de formar famílias ?
Por que não havemos, todos nós, de passar a vida com relações que duram desde um ou dois dias até dois meses, quando muito ?
Bem, espero que não vão pensar que estou a defender que deva ser assim. A verdade é que não faço a mínima ideia de como deva ser ou de como virá a ser. Nem eu ...nem ninguém.
E como tudo começa no desejo e no sexo, hoje, mais do que nunca, volto a reclamar uma ética do desejo. Só isso nos libertará para outras tarefas inadiáveis da vida em sociedade. Nem sequer sei exactamente o que isso seja, mas sonho com um grupo de procedimentos e de ideiais que nos ajudem a encontrar o balanço perdido. Algo como a versão moderna dos 10 mandamentos mas que venha de dentro de nós. Que não seja apenas o sopro do prazer a falar. Sem jamais o esquecer, claro, ao prazer. Mas que nos restitua, a todos, a dignidade e a pureza perdida algures dentro de cada um de nós. Que nos permita abandonar o cinismo e o desprendimento. Que nos faça sorrir uns para os outros. Que não nos deixe rancor nem culpa sempre que nos juntarmos dois a dois : mulher/homem ou seja o que for :)) .
Quero, hoje como há 30 anos, uma ética para o meu desejo. E para o vosso também.
Quero aprender a ser feliz sem ninguém ficar infeliz em troca.
E gostaria que não me chamassem lírico por querer isso.

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