quarta-feira, fevereiro 18, 2004

UMA ÉTICA DO DESEJO, PRECISA-SE - PARTE II

De uma leitora interessada, recebi o seguinte comentário ao meu texto anterior, colocando o problema de uma forma um tanto rude mas verdadeira :

“De modo algum quis «complicar a solução destes problemas» porque, na minha modesta opinião, eles são insolúveis...Há muito tempo que o sexo comanda a vida... o resto, ou seja, aqueles que mantêm o casamento, fazem-no por razões económicas, sociais, etc... não por amor. Assim, mantêm o casamento e... têm, simultaneamente umas namoradas...
Como quer solucionar tal situação? Eu não faço a menor ideia... “


Estas afirmações simples e directas, contêm a questão básica a resolver. O sexo. O casamento, ou outra qualquer forma de vida a dois ( ou a 5, como na cultura muçulmana ) não esgota o desejo sexual dos participantes. Nem do homem, talvez mais predisposto à partida para jogos extra-relação, nem da mulher, cada vez ousando mais reconhecer o seu próprio desejo sexual.
Gostaria, ainda assim, de opinar que os motivos dados pela leitora para a continuidade de muitas ligações são manifestamente redutores. Há, de facto, pessoas entre as quais os laços são extremamente fortes, sejam de amor, amizade ou algo do género, e que forma alguma se confundem com as motivações económicas e sociais avançadas pela mesma leitora. Ela própria ( que eu não conheço ) reconhecerá decerto a existência de casos assim.
Contudo, para grande parte das ligações, a busca da satisfação do desejo sexual fora da relação é um dado facilmente observável. Então ? Como fazer ? Fingir que é questão sem importância ? Mentir permanentemente quer ao parceiro de ligação quer ao novo parceiro da “aventura” ? Declarar a verdade a todos, arriscando a dissolução da ligação ?
Será que há alguma dignidade em ignorar a dôr que estas digressões extra-relação provocam ? Tanto num parceiro, o antigo, o “oficial”, como no novo, o “provisório” ?
À semelhança de muitas outras coisas na vida quotidiana, será melhor não pensar nisto e deixar o tempo ir resolvendo estas questões ?

Bem, não me conformo, nunca me conformei. Procurei respostas aos 20 anos, continuo a procurá-las quase aos 60. Sou assim. Fica talvez agora mais nítido o meu apelo do texto anterior : UMA ÉTICA DO DESEJO, PRECISA-SE. Porque se trata de encarar esta realidade que todos conhecemos e pensar uma ética de comportamentos, sem hipocrisia, que garanta várias coisas : desde logo, a verdade como elemento do jogo, para que não haja actores envolvidos sem o saberem nem desejarem. Para que não exista o engano e a decepção/humilhação correspondente. Para que isto não seja um jogo de caçador-presa, mas antes uma actividade entre seres humanos dignos, livres e responsáveis.
Hoje, tal como quando lia Wilhem Reich, aos vinte e tal anos, sinto o apelo da “selva”, mas recuso a qualidade de “besta”.

Pergunta-me a leitora se eu sei como resolver. Claro que não. Mas sei isto : seja qual fôr a solução, ela terá de passar pela verdade e pela aceitação das partes. Sem isso, será sempre uma prática hipócrita e tendencialmente provocadora de conflitos e de dôr.

Entre todas as pessoas que conheci na vida, tenho uma amiga que sempre entendeu estas questões da forma como as coloco. É uma mulher como nunca conheci outra. Não faço ideia como nasceu dentro dela esta sabedoria, mas a verdade é que a possui. A minha homenagem a ela, agora que discutimos este tema.

PS – Por triste ironia da vida, e já depois do meu primeiro texto sobre este tema, alguém que eu conheço pessoalmente foi “vítima” deste comportamento hipócrita e enganoso, por parte de um digno namorado que se “esqueceu” de a informar que vivia já com outra mulher ... Humilhação e frustração.
O pior de tudo, porém, é que as “vítimas”, por uma estranha patologia comportamental, tendem por vezes a “desculpabilizar” o autor do engano, acreditando que ele irá resolver a seu favor o eterno triângulo amoroso ... Inverdades, incoêrencias, angústias, infelicidades.
Nestes jogos, assim, ou não há vencedores ou não há dignidade.

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