quinta-feira, fevereiro 05, 2004

A MEDICINA E O MEDO DA MORTE

A minha atitude pessoal em relação à Medicina sempre foi de cepticismo moderado e selectivo. É claro que reconheço os avanços dos ultimos anos, o enorme impacto de alguns medicamentos ( os antibióticos, por exº ) e de algumas técnicas ( nos meios auxiliares de diagnóstico, as tomografias, as ecografias, as ressonâncias magnéticas, etc ...). Mas não me iludo com estas pequenas vitórias, conheço as enormes limitações da Medicina em muitas e variadas desordens no organismo humano como o cancro, a SIDA, a hepatite, alguns tipos de gripes, que sei eu ... Casos há, mesmo, em que os avanços nos meios de diagnóstico estão completamente desfasados dos meios de tratamento, originando situações em que o médico tem de informar o paciente que este sofre de uma certa doença ... em relação à qual não pode fazer nada ! ...Convenhamos, é uma situação esquisita e dificil de aceitar.
Vejam até que ponto a nossa ignorância vai, nestes domínios : um jogador morre repentinamente em pleno campo de futebol e a ciência declara-se incapaz de conhecer exactamente a causa da morte. Nem sequer conseguimos saber porquê ! Não é lá muito tranquilizante, pois não ?
Mas, se este meu quadro tem algo de correcto, porque motivo a Medicina moderna conquistou o estatuto de “super-estrela” nas nossas vidas quotidianas ? Porque se tornou numa das maiores preocupações sociais dos governos e também numa das maiores fontes de despesas nos orçamentos desses países ? Porque se investem fortunas na defesa das nossas vidas, a pagar especialistas e meios de diagnóstico e tratamento ? Porque se enriquece fácilmente nesta área de trabalho ?
Numa palavra : medo.
Temos medo de morrer. A morte assusta-nos de uma forma indescritível.
E sempre assim foi, em todos as culturas, etnias e organizações sociais. Os feiticeiros das tribos também não tinham mãos a medir, apesar de apenas usarem umas pedrinhas, patas de coelho e algumas folhas de vagos efeitos terapeuticos.
A morte assusta-nos a todos. Mesmo àquele idoso de 95 anos que vai sempre à consulta, queixando-se de uma leve dor nas costas ...
Por mim, tento fugir a essa espécie de ditadura da morte. Ainda não estamos mortos e já ela nos condiciona e obriga a andar medrosos ? Não, não deve ser assim.
O culto exagerado da vida está na génese de alguns comportamentos chocantes do ser humano – como o egoismo e a cobardia – da mesma forma que o culto oposto, o desprezo pela vida, esteve na origem de outros porventura ainda mais chocantes.
À medida que fui ganhando maturidade, comecei a aceitar a fragilidade e transitoriedade da vida humana. Percebi que a vida é apenas um empréstimo a prazo variável. A minha, também, que muitas vezes pensamos assim mas apenas para os outros !
Não exijo milagres, pois, da Medicina moderna. Recorro a ela, como todos nós, mas não tenho ilusões nem olho os profissionais deste sector como semi-deuses. Recomendaria mesmo mais modéstia e menor culto do seu valor. E, se possível, uma menor exploração comercial do medo da morte, ganhando milhões por actos de puro feitiçaria cabalística, muitas vezes apenas paliativos ou completamente ineficazes.
Não tenho pressa de testar estas minhas teorias, é certo, mas espero ser capaz de pensar assim até ao fim. Afinal, o dia da nossa morte é apenas mais um dia das nossas vidas, como dizia João Amaral.
E tu, leitor de blogues, como te relacionas com a morte ? Sim, com a tua ...

Sem comentários:

Enviar um comentário