segunda-feira, fevereiro 23, 2004

DEVO ESTAR EM DÉFICE

Hoje acordei triste. Deve ser o inconsciente a fazer balanços da minha vida, enquanto durmo. E deve ter concluido que ando em défice.
Se foi isso, não fui informado desse balanço, só sei que acordei mal-disposto e pensei que a minha vida exige mudanças. O problema é que nem sequer consigo perceber que raio de mudanças devia fazer !! Enquanto tento perceber o que hei-de fazer, hoje proponho-vos outro poema, desta vez de Pablo Neruda. Leiam.

Teu riso

Tira-me o pão,se quiseres
tira-me o ar, mas não
me tires o teu riso.

Não me tires a rosa,
a lança que desfolhas,
a água que de súbito
brota da tua alegria,
a repentina onda
de prata que em ti nasce.

A minha luta é dura e regresso
com os olhos cansados
ás vezes por ver que
a terra não muda,
mas ao entrar o teu riso
sobe ao céu a procurar-me
e abre-me todas
as portas da vida.

Meu amor, nos momentos
mais escuros solta
o teu riso e se de súbito
vires que o meu sangue mancha
as pedras da rua,
ri, porque o teu riso
será para as minhas mãos
como uma espada fresca.

À beira do mar, no Outono,
teu riso deve erguer
sua cascata de espuma,
e na primavera, amor,
quero teu riso como
a flor que esperava,
a flor azul, a rosa
da minha pátria sonora.

Ri-te da noite,
do dia, da lua,
ri-te das ruas
tortas da ilha,
ri-te deste grosseiro
rapaz que te ama, mas
quando abro
os olhos e os fecho,
quando meus passos vão,
quando voltam meus passos,
nega-me o pão, o ar,
a luz, a primavera,
mas nunca o teu riso,
porque então morreria.

Pablo Neruda

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