segunda-feira, abril 05, 2010

VIDAS EMPRESTADAS A PRAZO

A vida é um empréstimo a médio prazo. Ou a curto prazo, em alguns casos. Com juros altos e um final pouco feliz, porque não tem valor de resgate, é-se mesmo obrigado a devolver a vida emprestada, no final do contrato. É uma grande chatice, mas é mesmo assim. Não sei o que é que os gajos fazem depois às vidas devolvidas, se as congelam definitivamente ou se lhes fazem uma revisãozinha e as entregam outra vez a novos clientes. Se esta ultima versão for verdadeira, dará razão aos que acreditam na reincarnação, mas acho que não é bem assim. Por mim, acho que não gostaria nada de saber que esta minha vida já andou emprestada a um caçador de focas no Alaska ou a um gajo das SS hitlerianas. Por muito desinfectada que fosse, conta-quilómetros a zero e essas coisas todas, acho que ainda ficariam pequenos resquícios, alguns odores subtis, tendências esquisitas, sei lá.
Não, pelo sim pelo não, acho melhor que cada vida seja congelada depois de ser usada e devolvida. Congelada num casulo especial, com um fecho éclair hermético, para não apanhar nem sequer o pó das estrelas. E com um botão amarelo que, uma vez tocado por alguém, homem ou anjo, narrará resumidamente os episódios mais importantes da viagem terrena do seu hospedeiro, louvando-o entusiasticamente, ouvindo-se em simultâneo música celestial apropriada. Este mecanismo terá excepções, claro está. Por exemplo, não poderá ser aplicado a políticos em geral e a Sócrates em particular. A narrativa seria demasiado penosa, mesmo confrangedora.
Contrariamente ao que o leitor possa imaginar e com grande desgosto de Saramago, não será permitido usar estas vidas encapsuladas e congeladas, etéreas e imponderáveis, para encher passarolas ou balões ou quaisquer outros artefactos voadores.
Tenho dito. Fiquem-se com esta hoje e roam-se todos a imaginar que raio me deu para escrever esta crónica.
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