quarta-feira, junho 27, 2007

UM GATO PRETO NA FLORESTA PERDIDA

Um destes dias, ao fim da tarde, estava sentado no Colombo, a comer uma canja. A minha filha sentava-se a meu lado. Estávamos calados. Á minha frente, aqueles troncos retorcidos, enredados numas ruinas misteriosas, a versão Belmiro de Azevedo de uma floresta perdida. Aqui para nós, sempre senti uma simpatia inconfessada por aquela imitação. Sonhos de criança, maravilhas que povoam as nossas mentes, os livros de aventuras da nossa infância ?
Seja como for, aquela pantera negra a descer por entre os ramos ressequidos tinha um toque surreal, naquele ambiente urbano de centro comercial.
Quase esfreguei os olhos. Que raio era aquilo, já faziam decorações assim tão reais ?
Não, era um gato que descia pelos ramos, seguro e ágil. Um gato preto de olhos verdes, desconfiados.
Um gato ?? Ali, no meio do Colombo ??
Sim,um gato.
Desceu das árvores falsas e foi direito a um prato de comida, bem real. Era óbvio que o rei da selva misteriosa tinha cúmplices entre o pessoal dos restaurantes. A minha filha perguntou a uma mulher que trabalhava na limpeza das mesas e o mistério esclareceu-se. Era o gato residente, já há uns oito anos, disse ela. Aparecera nas obras, coisinha minúscula, perdido ou abandonado pela mãe e pelo mundo em geral. O pessoal das obras foi tomando conta dele, o jovem gato foi-se adaptando ao local. Quando construiram aquela floresta, no ultimo piso, o gato sentiu-se em casa. Árvores, belos sítios para se esconder e dormir. Comida á borla, ainda por cima, era o paraíso.
E lá estava ele, elegante, pêlo brilhante, todo preto, maravilhoso na sua solidão. Subiu de novo, numa árvore da sua floresta e quedou-se, empoleirado num ramo, a lamber-se vagarosamente. Tentámos ainda umas fotos, com o telemóvel da minha filha, mas não ficaram nada de jeito. Talvez seja melhor assim, podem imaginá-lo como quiserem, a viver naquele ambiente.
Saímos do Colombo, mas o gato preto não me largava o pensamento. Viver daquela forma, ali, numa floresta fingida, absolutamente só, sem outros gatos, já viram que vida a daquele ser ? Que espantoso equilibrio psicológico, que ascetismo mais admirável, que capacidade maravilhosa de sobreviver com o pouco que tem.
Será feliz ? Nunca terá tentado sair dali e ir por esse mundo fora ?
Senti-me verdadeiramente irmão daquele bicho. Também eu me sinto, nestes ultimos tempos, a viver numa mata fingida, empoleirado no meu sexto andar, sem coragem para enfrentar o mundo. Um destes dias vou levar-lhe um petisco. Pena que os gatos não gostem de cerveja, poderíamos beber um copo juntos.

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