terça-feira, novembro 02, 2004

UMA CLÍNICA LISBOETA, PERDÃO : POLICLÍNICA !

Conhecem essas clínicas privadas que foram instaladas em apartamentos inicialmente destinados a habitação ? Lisboa está cheia dessas clínicas, ou policlínicas, como lhe chamam, vangloriando-se das consultas a duas ou três especialidades médicas.
À entrada do prédio há sempre um destaque especial para o 2º Dto – Policlinica do Rato, ou coisa do género. No cimo das escadas, transposta a normal porta de um andar, depara-se-nos um guichet minúsculo, obra-prima de desenho arquitectónico do primo do sócio principal da clínica. Perdão, da policlínica.
No guichet preenche-se uma ficha de cliente, não esquecer o numero do cartãozinho de saúde ( é ADSE ?? ). Ou sorrimos de felicidade, se já somos clientes e não precisamos de preencher o raio dos impressos.
Depois, temos um antigo quarto de dormir ou dois, transformados em sala de espera. Pintura a branco, uns bancos de plástico ao longo das paredes, um ou dois aparelhos de TV com imagem mas sem som ( sempre estamos numa clínica, não é ? ), uma mesa baixa com meia dúzia de “Máximas” e de “Vips” da “saison” passada ...
Sentadas, várias pessoas com ar de poucos amigos, como se estivessem todas terrivelmente doentes e não o quisessem dizer a ninguém. Velhas folheiam revistas de modas que não lhes devem dizer absolutamente nada.
Porque será que a maioria de pessoas nestas clínicas ( perdão, policlínicas ) é constituida por mulheres ? Apenas porque há mais mulheres ou será que elas são mais doentes ? Ou são tão doentes como os homens mas queixam-se e preocupam-se mais ? Aceitam-se opiniões ...
Um dos médicos assoma á porta da sala de espera e sussurra : Dª Felismina Silva . É ele, o clínico, que faz a chamada dos seus pacientes, numa acumulação de funções que diz muito sobre a política de emprego da clínica... perdão, da policlínica.
Adiante. Uma senhora de idade ( ehehehe, pr’aí da minha idade, mas muito mais velha ! ) veste uma camisola de lã, mais um casaco também de lã e, por cima, um casaco comprido de fazenda grossa, preta. Chove lá fora, mas aqui dentro da sala está calor. A mulher primeiro despe o casaco comprido, despe e tira o outro casaco de lã interior e volta a vestir o casaco comprido. Daí a minutos despe também o casaco comprido e põe-o pelas costas ...Mau, mau ...mais um pouco e tenho que aturar a velha a fazer strip-tease, não ?
Ao fim de duas horas ( o senhor doutor vem hoje mais tarde ) lá chamam a minha filha. Bem, talvez escape ao strip-tease.
Agora, deambulando pela sala, anda uma rapariga de 29 anos, desengraçada mas algo exibicionista. Sei a idade dela porque atendeu pr’aí uns 4 ou 5 telefonemas, repetindo sempre “obrigadinho, obrigadinho”, com um ar vagamente compungido e desanimado que eu não estava a perceber. Até que lhe ouvi : pois é, é o ultimo da casa dos 20, para o ano já terei 30, estás a ver ?
Fiquei mesmo com pena da moça, claro. Não pelos 29 anos, mas pela parvoíce que já não devia ter naquela idade. Com medo dos 30 ????? Meu Deus !
Bom, estava a ver que, depois de escapar ao strip-tease da outra velha ainda tinha que ir pagar um copo a esta velha prematura de 29 anos, tão em baixo a rapariga estava ... Mas não, a minha filha entretanto saiu da consulta, com uma data de papéis a esvoaçar nas mãos e proclamando “Cá comigo é sempre rápido, já tá !” ....
Afinal, ainda não tava tudo, eram precisas ainda cerca de trinta e nove vinhetas e códigos de barras e outros carimbos destinados a garantir a idoneidade do clínico e da clínica.
Perdão, da policlínica.
E aí têm a minha tarde de terça-feira, 2 de Novembro de 2004.
Confesso que só depois me lembrei do significado especial deste dia na nossa cultura.
Recordei então pessoas queridas que vivem ainda na minha memória. :(
Possivelmente, tal como você, leitor.
Vivamos, então, com as nossas mágoas e alegrias.

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