sábado, fevereiro 19, 2005

AINDA FÁTIMA

Com a morte de Lúcia, voltaram aos jornais e revistas os acontecimentos de 1917, na serra d’Aire. Não muito longe de onde eu nasci, embora uns bons anos antes. Voltei a olhar as fotos da época, os relatos das “aparições”, as dúvidas iniciais da igreja portuguesa, o destino que deram á Lúcia, que esteve longe de ter sido uma escolha da própria, coitada.
Reli, revi e repensei.
Com todos os diabos, nada daquilo faz sentido, é tudo uma grande confusão, um delírio das crianças, induzido quiçá, já que na época houve diversas “aparições” idênticas reclamadas mas que nunca beneficiaram de qualquer atenção.
Os chamados mistérios eram coisas esquisitas, de nenhum interesse ou mesmo de falsa veracidade : a notícia do fim da guerra já para dia 13 ( a guerra 1914-1918 ) revelar-se-ia inexacta, o fim do bolchevismo ainda vinha muito longe e a visão de um sacerdote a ser alvejado a tiro era muito mais adequada ao jacobinismo reinante na época em Portugal ( o anti-clericalismo dos homens da I República roçou o desvario e o ódio puro ! ) do que a um futuro atentado ao Papa, cometido muitos anos após, em plena praça do Vaticano.
Enfim, todos os elementos indiciavam a total ausência de sobrenatural, a inexistência de qualquer “aparição”, a ilusão de uns pequenos pastores cansados e talvez esfomeados, em plena serra.
E então ? Que é que tudo isto interessa a uma multidão de seres sem esperança, em luta contra uma existência medíocre e com a perspectiva inevitável da morte ?
Claro que esta gente toda precisa de “aparições” e de anuncios de milagres. Claro que querem acreditar no céu e na sua libertação da morte inevitável.
Claro que optam pela esperança em vez do tremendo desespero do nada.
Esta será sempre a essência dos seres humanos, confrontados com os limites de uma vida sem sentido e sem dignidade : hão-de sempre criar esperanças nem que seja na ilusão ou no misticismo.
Não escolho essa via, nas minhas concepções pessoais sobre a vida e a morte, mas não tenho coragem de atirar pedras a quem o faz : a realidade é, muitas vezes, demasiado estúpida e aterradora para se poder acreditar nela ...

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