domingo, janeiro 29, 2012

É ESTE O SNS QUE PASSOS COELHO DESEJA ?

Leitor, tenha paciência, peço-lhe, e leia a carta que segue abaixo, sobre a odisseia de uma senhora em defesa da saúde de sua mãe, no enquadramento actual do SNS.
É algo ... aviltante, indigno, indecente, que só me dá vontade de bater em alguém.
Leia, leitor. E sobretudo, não vá em cantigas : isto pouco tem a ver com a falta de dinheiro. Isto tem a ver, sobretudo, e na minha opinião, com o projecto encapotado e subreptício de destruir os alicerces do SNS, da Escola Pública e de muitas mais coisas.
Não o canso mais, leitor : leia a carta da senhora ao Ministro da Saúde.

Excelentíssimo Senhor Ministro da Saúde

Maria Leonor de Moura Ventura Furtado, filha de Maria da Ascensão Moura , na sequência do falecimento de sua Mãe, ocorrida no dia 7 do mês corrente, após dias de sofrimento atroz e de cerca de 3 meses de diligências inacreditáveis e que julga de todo inaceitáveis, reveladoras da descoordenação, desinteresse, falta de apoio e insensibilidade, em especial por parte de clínicos do IPO, vem expôr para conhecimento e apreciação de V. Excelência o seguinte:
A minha Mãe, Maria da Ascensão Moura, com processo clínico nº 486 089 do IPO, era doente daquele Instituto há mais de 30 anos, tendo ali sido operada a um pequeno tumor num seio em 1993. Na sequência da operação continuou a ser ali assistida regularmente até 17/04/2009, data em que o médico assistente lhe deu alta, passando a ser acompanhada pelo médico de família. Caso viesse a haver agravamento da situação anterior, deveria voltar ao IPO onde também continuou, até mais recentemente, a fazer tratamentos de fisioterapia ao braço que inchava na sequência da operação de 1993.
Entretanto em 25 de Outubro de 2011, na sequência dos resultados de uma ecografia e de uma mamografia, com pedido urgente de uma biópsia, foi contactado telefonicamente o IPO para solicitar a marcação da biópsia requerida. Conforme solicitação do IPO foi enviada a necessária credencial por fax, ficando a aguardar-se a respectiva marcação.
Cerca de um mês depois, o IPO informou telefonicamente que ali não eram feitas biópsias a doentes externos; aqui começou uma luta contra o tempo, procurando encontrar onde fazer a biópsia, tendo-se conseguido marcação para 16 de Janeiro de 2012 no Centro de Senologia em Lisboa (350 euros).
Entretanto, em Dezembro, o estado de saúde de minha Mãe conhecia forte agravamento com dores sobretudo na região lombar; como tinha caído na semana anterior considerou-se melhor ser vista por um médico, pelo que em 20 de Dezembro foi transportada à urgência do hospital de S. José. Após observação e RX o médico deu-lhe alta, aconselhando uma consulta no IPO, depois de conhecer a sua história clínica, já que as dores teriam outra origem.
Foi de imediato solicitado ao Centro de Saúde uma credencial para consulta com o seu médico assistente no IPO (Dr.Vítor Farricho que, soube depois, já não prestava serviço naquele bloco), na esperança de ela ali poder ficar internada e fazer a biópsia mais cedo. Entretanto continuando o estado de saúde a agravar-se fui com a doente às urgências do IPO a 26 de Dezembro, tendo ali sido recusada a sua observação com a alegação (incorrecta) de que apenas ali fizera uma mamografia em 22 de setembro de 2006 e nunca mais lá fizera nenhuma. Conforme referido anteriormente a minha Mãe continuou a ser ali acompanhada até Abril de 2009 e, mesmo depois, ali fizera tratamentos.
No IPO, após longa questão sobre o ser vista ou não por um médico da urgência, foi-me concedida autorização para entrar no gabinete do cirurgião de serviço, Dr. Peixinhos Dias; após observação dos resultados da mamografia e da ecografia, o Dr. disse nada poder fazer; entretanto, considerando melhor, e dada a minha insistência em que fosse prescrito um medicamento para aliviar o sofrimento da doente, o Dr. Peixinhos decidiu fazer no dia seguinte, ele próprio, a biópsia à doente.

Por isso, no dia 27, a doente foi de novo transportada ao IPO, agora já só se movimentando em cadeira de rodas; foi feita a biópsia e marcada consulta para o dia 12 de Janeiro;

Entretanto comunicaram-me do IPO, via telefone, que a consulta do dia 12 fora antecipada para o dia 3; estranhando a antecipação, dado que nesta data ainda não haveria o resultado da biópsia, comuniquei o facto ao Dr. Peixinhos, aproveitando para lhe transmitir que a doente piorava de dia para dia e que era necessário que lhe fosse ministrada medicação, podendo assim terminar os seus dias com os cuidados familiares; em tom enérgico, disse-me que isso seria uma grande irresponsabilidade, pois a minha Mãe tinha de ser operada, o tumor podia rebentar, abrir ferida e cheirar mal... Referiu-me ainda o Dr. que não tinha conhecimento da alteração da consulta, mas que ia pedir urgência no resultado da biópsia e que levasse lá a doente no dia 5, às 11h, pois aproveitaria o facto de lá estar a equipa médica para se decidir o que fazer com a doente.

No dia 5 de Janeiro, às 10h, passei pelo guichet anunciando que a doente estava a caminho, para fazerem o favor de avisar o Dr. Peixinhos de que ela iria chegar em ambulância;
- às 11h os bombeiros conduziram a maca, segundo as indicações, para um gabinete ao lado do do médico onde a doente seria observada; o médico foi vê-la e saíu;
- cerca das 12h, perguntei à enfermeira se ainda demorava muito pois a doente gritava com dores; respondeu-me que o médico estava a tratar do assunto; passado um tempo, o médico voltou a entrar e a sair;
- às 13.45h, como a espera era angustiante, voltei a perguntar o que se passava, já que a equipa médica nunca mais descia; foi-me transmitido, num tom que não deixava dúvidas, que a equipa médica, liderada pelo Dr. Santos Costa, já se tinha ido embora...
- bati à porta do gabinete do Dr. Peixinhos e entrei, inquirindo do que se estava a passar; então a equipa fora-se embora com a doente ali à espera desde as 11h? não a internava? o que é eu ia fazer com ela naquele estado? o Dr. Peixinhos, verdadeiramente embaraçado, respondeu que não podia fazer mais nada, que não tinha condições para a internar e que a levasse ao hospital da área da residência, tendo continuado as suas consultas;
- o pessoal de enfermagem e auxiliares, bombeiros e doentes que aguardavam a sua vez, tudo ficou atónito perante tal situação...

Sózinha, sem qualquer apoio do IPO, pedi aos bombeiros que conduzissem a doente para a urgência de S. José, aonde chegou cerca das 15h; aqui o caos era geral, com macas ocupando por completo o espaço das urgências; era visível o estrangulamento provocado pelo encerramento das urgências do Curry Cabral;
- cerca das 16h o médico aguardava ainda o resultado das análises, mas foi confirmando que a doente estava efectivamente muito mal e que certamente iria ficar internada; às 19h sugeriram que eu regressasse a casa.

No dia 6 às 10h, telefonei para o Hospital de S. José onde me comunicaram que a doente tinha sido transferida de madrugada para o Hospital Curry Cabral; ali fui às visitas das 14h e das 19h, tendo pedido ao médico (Dr Pedro) que a medicasse fortemente para alívio das dores.

No dia 7 de Janeiro pelas 10h, telefonaram-me do Hospital Curry Cabral para me dizer que passasse por lá quando me fosse possível..., pois não podiam dar informações pelo telefone...


Assim, com uns últimos dias completamente angustiantes e cheios de dores terminou a minha Mãe a sua passagem pela vida neste Portugal onde, a par de algumas palavras de esperança, se assiste à degradação das condições de assistência aos doentes que mais necessitam.
Neste caso, em condições de grande sofrimento que não me permitem calar a revolta, a minha Mãe foi abandonada à sua sorte e ao meu cuidado pelos clínicos do IPO, com uma doença do foro específico daquele Instituto, para a qual não tiveram uma acção ou palavra que pudesse minimizar o seu grande sofrimento e ajudar a família a encontrar a solução mais satisfatória.

À consideração de Vossa Excelência.


Lisboa, 21 de Janeiro de 2012


Maria Leonor de Moura Ventura Furtado
[NOTA: esta carta seguiu para o Sr. Ministro, para a Entidade Reguladora da Saúde e para o IPO, devidamente identificada].

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