terça-feira, setembro 21, 2004

UMA IMENSA TRISTEZA ...

Inacreditável.
Confrangedor, mesmo.
O que me perturba não é o fracasso reiterado e quase suicidário das listas de colocação de professores. O que me faz calafrios é a ignorância, incompetência e incapacidade de decisão de tanta gente que anda lá pelo ministério á volta desta questão.
Como é possível esta gente toda estar colocada no ME ? Então é a gente desta que estamos “entregues” ? E nos outros ministérios, há alguns motivos para pensar que a situação seja diferente ?
Leitores : tenho mais de quinze anos a trabalhar em informática, como gestor num departamento público responsável pelo desenvolvimento de sistemas de informação ( vulgo programas ) de grau de complexidade elevada.
Sei muito bem como se processa este tipo de trabalho, aprendi, antes de mais, que todo o cuidado é pouco nas fases iniciais dos projectos, a de definição dos requisitos operacionais ( o que se pretende que o programa faça, de facto ) e a da análise dos fluxos e processamentos de dados, a que também poderíamos chamar a da definição das regras do jogo.
Estas fases exigem um trabalho permanente e íntimo entre dois grupos de pessoas : as donas do projecto, que devem conhecer exactamente os objectivos a atingir e todas as regras do jogo e aquelas outras pessoas que sabem analisar estas regras e convertê-las numa lógica de programação simples. Estes dois tipos de pessoas devem ser competentes nas áreas respectivas e devem também saber trabalhar em equipa, todos eles liderados por um chefe de projecto prestigiado, idóneo e experiente.
Esta interacção é tão íntima, tão estreita e imprescindível, que muitas vezes deve começar mesmo ANTES da definição das regras do jogo, ANTES da sua tradução em lei.
E aqui começam os factos aberrantes neste caso concreto : as regras do jogo de colocação de professores ( o DL 35/2003 e demais legislação posterior ) são obtusas, mal redigidas, pouco claras e muitas vezes quase incompreensíveis, numa perspectiva da sua conversão para linguagem binária. Em algumas das regras parece mesmo ter havido a preocupação de complicar as coisas, de forma a que não funcionem. E eu sei porquê : a concepção do modelo do concurso foi feita essencialmente por técnicos de gestão do pessoal docente e por juristas, uns e outros sem quaisquer preocupações de viabilidade do tratamento informático posterior.
Querem um exemplo ? Leiam as regras para afectação dos professores dos QZP a horários surgidos nesses QZP. Os horários são divididos em grupos, consoante o numero de horas, os professores declaram as suas preferências por escolas mas a estas acaba por se sobrepor o maior número de horas dos horários ... um pesadelo, concretizar estas regras baralhadas num programa informático. A hesitação do legislador, as suas duvidas e incertezas acabam por se tornar numa armadilha mortal para algum incauto que vá definir uma lógica de decisão para o sistema informático.
Depois ... estão mesmo a ver a dinâmica de uma equipa de projecto conjunta com técnicos do ME e de uma firma privada exterior, não estão ? Uns sem ideia nenhuma do que é a lógica binária, os outros sem qualquer contacto ou experiência do que é o mundo da colocação de professores !
Juntem a isto uma orientação política incapaz, desde o nível de director-geral até ao próprio ministro, e terão a fotografia completa do desastre.
Mais : em alturas de contingência, há que saber escolher alternativas, sem hesitações. Não é o que tenho visto suceder. Em diversas ocasiões, lembro-me de pensar que a decisão óbvia e sensata não fora tomada.
Por exemplo, quando se notaram milhares de erros na primeira lista de ordenações, decidiu o ME continuar o processo, avaliando as dezenas de milhares de reclamações entradas.
O mais elementar bom-senso aconselharia outro caminho : reconhecer que grande parte dos erros foram devidos aos impressos de recolha abstruzos que inventaram e á recolha dos dados pela leitura óptica desses impressos, com reconhecimento óptico de caracteres.
Qualquer pessoa com experiência destas coisas teria seguido outro caminho : redesenho do impresso de recolha e repetição dessa fase com maior garantia de dados sãos.
Outro exemplo : algumas das lógicas de validação dos dados recolhidos, nessa fase das listagens provisórias e definitivas, estavam totalmente erradas, numa perspectiva funcional, denunciando uma ligação imperfeita entre o ME e a firma de informática.
Aparentemente, ninguém se preocupou com isso.
Qualquer pessoa com experiência neste domínio teria ficado com os cabelos em pé e teria feito uma autêntica revolução na equipa de projecto, exigindo que os informáticos fossem totalmente esclarecidos quanto às regras das colocações ou optando por mudar a empresa responsável ... ou ambas as medidas.
Tal não foi feito, muitos erros forma considerados “erros informáticos” sem mais consequências.... Mas como é possível, já nesta fase final, afectar um professor de um determinado QZP a uma escola de outro QZP ? Pensam que isto é um erro informático ? O tanas é que é : isto é pura e simplesmente um erro de coordenação dentro da equipa e um erro na incapacidade de detecção de erros na fase de testes.
Enfim ... uma infinita tristeza, é o que tudo isto me provoca.
Como já disse, bem gostaria de pensar que a gestão da coisa pública estivesse entregue em mãos mais experientes ... mas a verdade é que está entregue a amadores. E maus.

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