segunda-feira, janeiro 07, 2013

LAMENTOS DESARRANJADOS

São nove da noite. Lá fora, na rua, está frio. Aqui, no meu quarto, o gato dorme pacificamente aos pés da minha cama. A casa está silenciosa, a minha filha está na escola ainda, só deve chegar lá pelas 10 e tal. Tenho a televisão sem som, como muitas outras vezes. Nem o ruido dos autocarros me chega da rua, graças ás recentes janelas de vidro duplo. Acho que já tenho saudades desses ruidos. Estive a ler durante muito tempo, parei com a sensação de não saber as horas nem onde me encontrava. Agora já sei mas fiquei a matutar no tempo. No tempo que nos foge. Entre muitas outras coisas, é esse tempo que me tem vindo a fazer envelhecer. Este ano, lá para meio do ano, vou fazer 70 anos. Incrível, setenta anos. Um velhote, em todos os sentidos. Lá está esse tempo estuporado, não sei bem como é que isto aconteceu tão depressa. Claro que é melhor eu aceitar, ou fingir que aceito, ninguém tem paciência para aturar um velho arrependido e contrariado por ter envelhecido. OK, mas lá que estou estonteado com esta história é verdade.
Tenho fome ? interrogo-me. A verdade é que não almocei, hoje. Comi uma sandes de carne assada, lá pelo meio da tarde, quando regressei do Leroy Merlin. Sabem, aquele armazém grande de artigos de bricolage ? Frequento esse ambiente como outros vão a apresentações de livros, a estreias de cinema ou a exposições de pintura. Acho que me identifico mais com berbequins e tintas do que com escritores e senhoras distintas a falar bem. Reparo agora que isto dito assim me dá um ar troglodita e vagamente estúpido. Que se lixe, é a verdade. De pintura, por exemplo, prefiro as Janelas Verdes, aprecio muito mais os pintores já mortos, que nos deram tempo - cá está o tempo de novo - para depurar e saborear as suas obras. Passa-se o mesmo com os escritores. Conheço dois ou três escritores ainda vivos e, apesar de até gostar de algumas das suas obras, dou por mim a rejeitar os seus maneirismos, a sua mania, os seus tiques. Como a vaidade. Quanto a Eça de Queiroz, por exemplo, já não somos convidados para a apresentação de mais um livro, na FNAC ou no Grémio Literário, nem somos escorraçados pelo seu mau feitio ou vaidade. Não, em síntese, um artista bom é um artista morto. Não pelo mesmo motivo que por vezes se diz isso dos extremistas, mas pelos motivos que já vos apontei.
Não faço a mais pequena ideia do motivo que me levou hoje a alinhar estas palavras. A solidão, talvez.
Ou a anti-vaidade que é uma forma canhestra de vaidade, também. Chiça !
Passem bem. E não me venham mais chatear para eu não estar sempre a escrever sobre política. Já viram no que dá quando escrevo sobre outras coisas ??



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