DE SÓCRATES A PASSOS COELHO, UMA HISTÓRIA DE ENCANTAR
Para os leitores que gostem de xadrez, ou de estratégia, ou apenas de jogos de intriga e poder, aqui vai uma boa história.
Durante seis anos, numa terra longínqua, o poder político foi exercido por um jovem ambicioso, ignorante e desmiolado, de uma forma inconsequente e irresponsável, acumulando dívida pública e manifestando grande desprezo por todos quantos se lhe opunham. Para qualquer pessoa experiente, era visível que esse tiranete estava apenas a abrir caminho para a chegada da direita ao poder, enquanto ia aproveitando para dar aos amigos grandes negociatas.
Com o empurrãozito da crise financeira entretanto surgida ( pela qual os bancos foram responsáveis, é bom não esquecer ), esse convencido e obstinado aprendiz de feiticeiro foi apeado e logo substituído por uma espécie de seu clone, desta vez da área da direita liberal. Este novo iluminado tinha uma teoria encarniçada dentro de si : em Portugal, era preciso acabar com o Estado social e transformar todos os sectores em áreas de negócio ... só assim viria a verdadeira felicidade para todos. ( ?? )
Nunca em Portugal, há mais de um século, tinha existido uma maioria social de apoio a esta teoria económica velha e desacreditada que, de resto, já tinha sido responsável pela crise financeira, uma vez que se opõe a qualquer forma de regulação da actividade financeira.
Assim, escondido no manto da crise, e usando o capital de descrédito acumulado por Sócrates, o jovem político começou a tentar concretizar a sua agenda. Não era tanto o combate à crise que o motivava, o que ele pretendia, no fundo, era destruir todas as resistências a uma nova era de negócios universais, em todas as áreas e domínios. Bom, aqui para nós, apenas uma interpretação mais radical da mesma velha história anterior.
Cortou aqui e ali, aumentou impostos, desmantelou e extinguiu onde achou melhor, sempre com o pretexto da diminuição do défice e do controlo da dívida pública. Que, de resto, e para ele incompreensivelmente, não cessavam de aumentar. Entre as suas muitas habilidades, impôs o corte abrupto a todos os funcionários públicos de uma parte dos seus vencimentos e também dos subsídios de férias e natal, em conjunto com os pensionistas. Nada de monta, apenas cerca de 20% de redução salarial, em média ! Para alguns mesmo cerca de 25% ! Nem se deteve a pensar que os pobres não tinham a culpa de nada, e que era injusto aplicar os cortes apenas a eles. Também não perdeu muito tempo a ouvir palavras de crítica e preocupação de várias personalidades desse longínquo país, quanto à inconstitucionalidade da medida pretendida. Ele é que sabia, que se lixasse a Constituição, logo se alteraria, quando calhasse. De alguma forma imitou Soares, daquela vez em que meteu o socialismo na gaveta : agora era Passos Coelho a meter a Constituição na ( mesma ? ) gaveta.
Entretanto, alheios a todas estas preocupações, dois sectores económicos do país exultavam e acumulavam riqueza : as construtoras, verdadeiros aspiradores de dinheiros públicos ( porque alguém nisso alinhou, relembre-se ) e os queridos bancos, onde foram parar, de uma forma directa ou indirecta, grande parte dos recursos financeiros dos habitantes desse país.
Quanto a estas duas entidades, a benevolência do jovem político mandante era total. Tudo para a Banca, meus senhores, eles são o garante da actividade económica ! Curiosamente, no dia a dia, a Banca comprazia-se em fazer o contrário, sabotando completamente a mesma actividade económica, levando juros de 7 e 8% às PME com dinheiro que ia buscar à Europa a 1% .... Mas isso parecia não fazer esmorecer o nosso bem amado líder, indiferente a essas minudências.
As construtoras e as grandes empresas do ramo energético continuavam a sua actividade de bombas sugadoras das algibeiras do zé pagante, ora subindo exageradamente o preço dos combustíveis e energia ou gás, ora recebendo tranquilamente rendas avultadas do Estado para manter em funcionamento as suas centrais, ora ainda averbando milhares e milhares de milhões de euros por terem construído autoestradas onde circulam cada vez menos automóveis.
A estes sectores, o nosso jovem líder nada fazia que os perturbasse. Fingia que sim, uma ou outra vez, mas afinal nada de concreto, era sempre mais fácil ir directamente aos bolsos dos populares, que não tinham advogados para os defender nem chorudos cargos para oferecer.
Obviamente, o país desmembrava-se. O desemprego crescia, imparável, enquanto o jovem e os seus mentores se mostravam surpreendidos, imagine-se.
Eis senão quando, no meio deste cataclismo, o Tribunal Constitucional tem um rebate de consciência e afirma, nove contra três, que o corte dos subsídios é inconstitucional ! Alegria de uns e espanto e raiva de outros. Como podia ser ? Ainda bem que afinal era inconstitucional ... mas só em 2013, porque este ano a malta ainda ia gramar o corte ! Do mal o menos, não é ?
Pelo meio, perdidos nesta selva de fingimentos e compadrios, ainda há tempo para assistir a episódios burlescos, como aquele dos tipos que acabaram com as Novas Oportunidades, por manifesta falta de rigor e que, afinal, tinham feito licenciaturas pelo mesmo sistema em Universidades do reino !
Só visto, o país está transformado numa espécie de opereta, com enredo de segunda e actores de terceira ... mas espectadores-pagantes de primeira, o que é o pior.
A farsa irá continuar, nos próximos meses.
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